Vitor Manoel Castan
Desde o dia 17 de junho de 2012, a Lei n° 12.619/12, que regulamenta a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional, está em vigor. O meio jurídico foi agitado com a publicação da referida lei, pois se mudou de forma significativa o padrão legislativo até então aplicado ao trabalho do motorista, principalmente no que se refere à obrigatoriedade de controlar a jornada de trabalho desse profissional. Os interessados – empresas, sindicatos e os estudiosos – ainda têm-se debruçado no estudo e nos reflexos dessa nova lei.
Há muito se discute que os contratos de trabalho dos motoristas mereciam a aplicação do Capítulo II, Da Duração do Trabalho, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, isto é, jornada de trabalho de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais e também o artigo 7°, XIII, da Constituição Federal, pois basicamente com os novos sistemas tecnológicos, como o sistema de rastreamento via satélite, já era possível o controle de todos os movimentos do caminhão, ou seja, em última análise, da própria jornada de trabalho do respectivo motorista, razão pela qual já não se justificava mais aplicar a exceção prevista no artigo 62, I, da CLT.
È certo que essa questão ainda era controversa e o TST – Tribunal Superior do Trabalho, através de jurisprudência pátria e da OJ n° 332 da SDI-1, esclarecia que o tacógrafo e o rastreador via satélite não configuravam, isoladamente, controle da jornada do empregado que exerce atividade externa.
Lembro que no início de 2008, o Ministério Público do Trabalho de Rondonópolis/MT, por meio de Ação Civil Pública, havia obtido êxito através de uma liminar, pela qual se determinou o controle da jornada diária de 8 (oito) horas para os motoristas e a aplicação da regra prevista no artigo 74, § 3° da CLT, que prevê que ao trabalho executado fora do estabelecimento, o horário do labor do empregado deveria ser anotado em ficha ou papeleta em seu poder.
Assim, o que se observa é que havia uma inquietude quanto a essa questão do trabalho do motorista e uma insegurança jurídica em razão de distintas decisões, principalmente dos juízes de primeiro grau.
Com a nova lei, o legislador preocupou-se em disciplinar também o tempo de direção do motorista, visando trazer mais segurança, não só ao trabalhador, mas, também, para toda sociedade, evitando, assim, o excesso de jornada com a consequente contribuição com a redução dos acidentes nas estradas.
Nesse sentido foi instituído no artigo 235-G da Lei n° 12.619/12, o seguinte:
“É proibida a remuneração do motorista em função da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de vantagem, se essa remuneração ou comissionamento comprometer a segurança rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da presente legislação”.
O que se extrai do texto é que o legislador deseja evitar que o valor da remuneração do trabalhador esteja atrelado à sua produção de modo a comprometer a segurança rodoviária e da coletividade, pois para o motorista receber um salário maior tem que exaurir suas forças, dirigindo excessivas horas no volante sem nenhuma interrupção.
Assim, de plano, pela literalidade do artigo está proibido qualquer cálculo de comissão com base na distância percorrida, no tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos transportados. Porém, redação do artigo em comento apresenta um conceito subjetivo, pois existe a ressalva levando a interpretação de que a comissão que não comprometer a segurança nas estradas é permitida.
Entende-se que se a empresa observar as diretrizes previstas na lei e se o motorista cumprir a jornada legal usufruindo os intervalos, não há que se falar que a comissão paga ao motorista está comprometendo a segurança nas estradas.
No entanto, é difícil sustentar que a comissão paga por quilometro rodado e por tempo de viagem não comprometa à segurança rodoviária, pois se pode entender que se está estimulando o motorista dirigir de forma ininterrupta.
Porém, a comissão paga, por exemplo, sobre o valor do conhecimento de transporte, como é comumente utilizada pelas empresas transportadoras de cargas rodoviárias, a princípio não está proibida, desde que o trabalho ocorra dentro dos limites legais da referida lei.
Ora, a própria CLT em seu artigo 457, § 1°, reconhece instituto da comissão para todos os empregados, isto é, existe a possibilidade de pagamento de salário não fixo e, data vênia não justifica nenhum tratamento diferenciado, mesmo para a categoria do motorista. O Direito do Trabalho se vale de princípios básicos que norteiam a criação, interpretação e aplicação das normas trabalhistas. O Estado tem obrigação de proteger juridicamente o empregado e se houvesse uma mudança significativa, certamente haveria prejuízos nos salários dos próprios motoristas já que este critério de cálculo é usual pelas empresas.
Também, é de conhecimento público que muitas estradas brasileiras são ruins ou péssimas e o acostamento da rodovia não pode ser confundido com uma área de descanso, até porque estacionar o veículo nesse local é infração de trânsito.
Não se pode atribuir às empresas de transportes toda a culpa das mazelas nas estradas e o governo tem que investir na malha rodoviária, inclusive, para viabilizar a aplicação da própria lei, entretanto, nesse ponto, curiosamente não houve avanço.
De qualquer modo é muito cedo para saber qual vai ser o posicionamento da Justiça, a legalidade do pagamento através da remuneração variável (comissão) ou se ela gera risco coletivo. Também, existe a preocupação com o Ministério Público do Trabalho que pode intervir tentando obrigar as empresas se absterem da prática da remuneração através da comissão.
O que se tem observado é que as empresas do ramo de transporte estão atentas, pois as alterações são importantes e modificam a atividade e diante da subjetividade do artigo é crível que estas empresas vão manter o pagamento através da comissão e aguardar para fazer valer os diretos que entendem protegidos por lei.
No que tange ao artigo 2°, V, da referida lei do motorista, tem-se que:
“Jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, nos termos do § 3º do art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador”.
A censura que se faz é que as pequenas empresas ou aquelas que possuem poucos motoristas e cuja atividade principal não é a exploração de transporte de cargas, sem nenhum tipo de controle do caminhão, efetivamente, continuarão sem fiscalizar os afazeres externos dos motoristas, ou seja, aferir as anotações feitas pelos próprios motoristas no diário de bordo.
De qualquer forma, a lei está vigorando para todos, e será necessário, na prática, criar uma papeleta ou ficha de trabalho externo, pois é um meio seguro para apresentação em juízo, se necessário for, não obstante a lei permitir o uso de outros meios eletrônicos instalados no veículo, de modo que se possa verificar o tempo de direção e os intervalos previstos na nova lei. O que se recomenda é que essa papeleta não seja um documento com muitos campos a fim de facilitar seu preenchimento.
Recentemente o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, baixou a Resolução n° 405 de 12 de junho de 2012, disciplinando a fiscalização do tempo de direção do motorista profissional e o descumprimento dos tempos de direção e descanso, sujeitando o infrator nas penalidades administrativas previstas no artigo 230 do CTB – Código de Trânsito Brasileiro.
Com efeito, a nova lei é de um cunho social relevante, pois entre outros aspectos busca diminuir as ocorrências de acidentes de trânsito. Portanto, a responsabilidade não é apenas da empresa em seguir a norma; o motorista também tem a sua parcela de responsabilidade, assim, como ele próprio é o condutor do veículo, por exemplo, a desatenção do cumprimento dos intervalos mínimos de 30 (trinta) minutos de descanso a cada 4 (quatro) horas de tempo ininterrupto de direção previsto no artigo 235-D que alude a Lei 12.619/2012, sujeitará o empregado ao ressarcimento do valor da multa pela eventual infração conforme o artigo 2°, III da referida lei, artigo 67-C do CTB, combinado com o artigo 62, § 1°, da CLT, razão pela qual é importante prever nos contratos de trabalho a autorização dos descontos a título de multa.
Vale lembrar que o artigo 235-B da lei em estudo elenca deveres do motorista, como, por exemplo, respeitar a legislação de trânsito e, em especial, as normas relativas ao tempo de direção e de descanso (III), e submeter-se a teste e a programa de controle de uso de drogas e de bebida alcoólica (VII), configurando infração disciplinar a recusa na participação de tais programas (parágrafo único), por isso, existe a possibilidade de aplicação das sanções disciplinares previstas nas letras “b” ou “h” do artigo 482 da CLT. Registre-se que as empresas são obrigadas a instituírem o programa de controle acima referido.
A seguir comentar-se-á especificamente sobre os principais artigos da nova Lei n° 12.619/2012.
De acordo com o artigo 2°, § único, o empregador terá obrigação de custear seguro de vida e acidentes no valor mínimo de 10 (dez) vezes o piso salarial da categoria do motorista.
A duração de trabalho do motorista profissional será de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais (artigo 235-C), admitindo-se a prorrogação da jornada por até 2 (duas) horas extraordinárias (art. 235-C, § 1°). Em caso de força maior poderá ser prorrogado o tempo de direção até que o motorista encontre um local seguro para estacionar o veículo (art. 235-E, § 9°).
O artigo 235-C, § 6° prevê a possibilidade de compensação de jornada de trabalho, tanto no módulo semanal, mensal ou anual (banco de horas), já que a norma não fez nenhuma distinção, porém, desde que exista previsão em instrumentos de natureza coletiva, portanto, não é válido o acordo de compensação individual.
Pela nova lei são consideradas como tempo de espera as horas que excederem a jornada normal de trabalho quando o motorista ficar aguardando para carga ou descarga do veículo. No entanto esse tempo de espera não será considerado como hora extra e será pago de forma indenizada, a saber, sem outras repercussões ou encargos, por meio de um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário hora normal (art. 235-C, § 8° e § 9°).
De se esclarecer que somente será devido o adicional se esse tempo de espera exceder a jornada diária normal de trabalho, por exemplo, caso o empregado aguarde 4 (quatro) horas para carregar o caminhão e em seguida viaje por mais 4 (quatro) horas, neste caso não será devido o acréscimo referido já que foi respeitada a duração normal de trabalho de 8 (oito) horas.
Além dos intervalos legais já conhecidos de descanso e alimentação no meio e entre a jornada de trabalho, foi instituído outro intervalo de 30 (trinta) minutos a cada 4 (quatro) horas ininterruptas de direção, o qual poderá ser fracionado, por exemplo, a cada 2 (duas) horas de direção, uma parada de 15 (quinze) minutos. Ressalta-se que o referido intervalo pode coincidir com o intervalo para descanso e alimentação (art. 235-D, I e II).
Conforme o artigo 235-E, § 1° da lei nova, o DSR – Descanso Semanal Remunerado será de 36 (trinta e seis) horas se a duração da viagem for superior a 1 (uma) semana, o qual poderá ser usufruído no domicílio do empregado ou em outro local desde que a empresa ofereça condições adequadas para o efetivo gozo, ou seja, um alojamento. Ressalta-se que esse DSR poderá ser fracionado em 30 (trinta) horas seguidas e 6 (seis) horas a serem gozadas na mesma semana. Para esclarecimento a regra geral do DSR é a soma do intervalo de 11 (onze) horas entre uma jornada e outra prevista no artigo 66 da CLT, com o descanso semanal de 24 (vinte quatro) horas que alude o artigo 67 também da CLT.
Existindo trabalho em dupla no mesmo veículo, o tempo que exceder a jornada normal de trabalho, o motorista que estiver em repouso no veículo em movimento será considerado como tempo de reserva e será remunerado na razão de 30% (trinta por cento) da hora normal (art. 235-E, § 6°).
Em razão da especificidade do trabalho de transporte poderá ser ajustado em Convenção ou Acordo Coletivo jornada de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) de descanso (artigo 235-F)
Finalizando, são esses os apontamentos que se entendem relevantes, pois a lei reproduz outros direitos já consagrados no universo dos direitos trabalhistas, e outros aspectos fogem ao objeto do presente estudo.
(Revista Bonijuris, v. 24, p. 39-43, 2012)