Emenda Constitucional n° 45, de 08.12.94, DOU de 31.12.04, foi promulgada a fim de dar ao Poder Judiciário maior transparência e celeridade, entre as inovações destaque-se a criação do Conselho Nacional de Justiça, a exigência de no mínimo de três anos de atividade jurídica ao bacharel em direito que objetivar o ingresso na magistratura, a possibilidade da súmula vinculante e a nova composição do TST, vinte sete Ministros.
Ainda, dentre as inovações que a reforma trouxe, no que tange a Justiça do Trabalho, ressalta-se a ampliação de sua competência e a quase, senão, extinção do Poder Normativo, entretanto, em certos aspectos as modificações vêm provocando dúvidas que devem ser enfrentadas, razão pela qual o estudo merece ser aprofundado.
No que se refere ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho, o anterior artigo 114, § 2º, da Constituição Federal, alterado pela referida emenda, preceituava:
“Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”. (grifo nosso)
Em razão desse comando constitucional a Justiça do Trabalho detinha a possibilidade de estabelecer, de criar normas aplicáveis às partes envolvidas nos dissídios coletivos, sem esquecer de observar as normas do direito positivo que limitavam esse exercício, função essa inerente ao Poder Legislativo.
É de conhecimento a separação entre os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), entretanto, o dispositivo constitucional em tela, de forma excepcional, delegava, autorizava essa invasão de função do poder judiciário, até porque sem o poder normativo a Justiça do Trabalho ficaria, por assim dizer, engessada para julgar os dissídios coletivos a ela submetida. De se ponderar que as relações de trabalho subordinado se modificam velozmente ante as transformações econômicas e tecnológicas daí a importância do Poder Normativo da Justiça do Trabalho. Nesse diapasão, de se lembrar ainda do poder discricionário do magistrado.
Em artigo publicado, Nelson Nazar aborda a importância do Poder Normativo da Justiça do Trabalho fazendo a seguinte afirmação:
“A harmonia desse sistema se desfaz se houver a extinção da possibilidade normatizadora da Justiça do Trabalho. Pior, direitos e garantias consideradas normas pétreas pelo sistema não teriam condições de ser implementadas sem a existência da normatização positiva, como regra contida na norma pressuposta, no dizer de Eros Roberto Grau ”.
Também, em outro artigo, Marcos Neves Fava faz as seguintes ponderações:
“Restou, pois, reduzidíssimo o poder criativo dos Tribunais Trabalhistas, alimentados, ao longo de décadas, por ‘amplíssima criatividade’ no estabelecimento de novas condições de trabalho, à margem da lei positiva. Desacompanhada de radical transformação do sistema sindical pátrio, com maior sensível da representatividade, da organização e da vocação negocial das entidades representativas de trabalhadores, a mudança constitucional representará grave involução das aquisições obreiras das últimas décadas”. (grifo nosso)
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, restou, também, revogado o parágrafo terceiro do artigo 114 da CF, sendo que o mencionado § 2° investia o judiciário trabalhista do Poder Normativo.
O Novo caput do artigo 114 da CF ficou com a seguinte redação:
“Compete à Justiça do Trabalho processar e Julgar:”
Vê-se, em primeiro lugar, que foi suprimida no novo caput a palavra conciliar que vinha na redação anterior do mencionado artigo.
No dizeres de Maurício de Carvalho Salviano : “… a técnica redacional utilizada foi perfeita, pois não há como tentar conciliar, ou não estão submetidas à conciliação os mandados de segurança e o habeas corpus, que estão arrolados na nova redação do artigo 114…”. Não parece que a manutenção no texto constitucional da palavra conciliar traria algum prejuízo em razão dos procedimentos especiais
Não obstante a lei maior não mencionar a conciliação, também não a proíbe, não se observa nenhum prejuízo na tentativa da conciliação nos procedimentos comuns da Justiça do Trabalho, como determinam os artigos 764, § 1° e 652, a, ambos da CLT, até porque com a reforma o legislador preconiza a negociação e seria um contra-senso proibir a conciliação, uma característica enraizada no processo trabalhista.
O novo § 2º do artigo 114 da CF passou a ter a seguinte redação:
“Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”. (grifo nosso)
Atualmente com essa nova redação o Poder Normativo encontra-se mitigado, primeiro porque há necessidade que as partes subscrevam conjuntamente a petição e, segundo, porque a Justiça do Trabalho não pode mais estabelecer normas ou condições e, sim, decidir o conflito, “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”, e aqui se faz um parêntese para dizer que se reforça o princípio da condição mais benéfica, aplicação do respeito ao direito adquirido (art. 5º XXXVI CF), numa tentativa de integrar de forma definitiva nos contratos as vantagens obtidas, não vigorando necessariamente em determinado prazo.
Também, observa-se ainda no mesmo § 2° que, aparentemente, o legislador, no afã de ver o conflito solucionado amigavelmente, salvo maior juízo, dificulta que o conflito seja apreciado pela Justiça do Trabalho, quando impõe uma “… condição consensual para o ajuizamento do dissídio coletivo…” (grifo nosso), ou seja, determina que havendo a recusa na negociação, o dissídio coletivo só poderá ser ajuizado de “comum acordo”. Ora, se as partes não chegaram a um acordo na negociação coletiva dificilmente, “de comum acordo”, irão juntas ajuizar o dissídio, ou seja, subscrever a petição inicial. Não havendo consenso, não pode esta situação ficar indefinidamente sem solução, ademais, não se pode esquecer do artigo 5º, XXXV, da CF o qual dispõe: “a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, portanto, a condição consensual imposta pelo legislador necessita de uma análise mais profunda sob o prisma constitucional e, em razão disso, entidades sindicais (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino e outras sete confederações nacionais de trabalhadores) ajuizaram perante o Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3431 e 3423), respectivamente, as quais encontram-se pendentes de decisão. Ressalta-se, também, que o parágrafo 3º do novo artigo 114 da CF atribui exclusivamente ao Ministério Público a legitimidade para ajuizar o dissídio coletivo no caso de greve em atividade essencial, situação esta também contestada e objeto da referida ADI 3423.
O futuro irá dizer como será essa queda de braço entre patrões e empregados e o preço a ser pago, seja pelos empregadores, empregados ou pela própria sociedade que sofre com os impasses.
De se observar ainda através do referido § 2° do artigo 114 da CF que as partes podem, antes de ajuizar o dissídio, optar pela arbitragem, como forma de solução de seus conflitos, o que já era previsto no parágrafo 1º do artigo 114 que permaneceu no texto constitucional. Na arbitragem os interessados elegem uma pessoa ou um órgão para dirimir o conflito, impondo uma solução, sentença arbitral, a qual não cabe recurso e nem há necessidade de homologação pelo judiciário trabalhista (artigo 18 da lei n° 9.307/96). Caso não seja cumprida a sentença arbitral o caminho é a sua execução, como bem ensina Sergio Pinto Martins : “Tem a sentença arbitral eficácia de título executivo judicial (art. 584, VI, do CPC), podendo, assim, ser executada, se não cumprida”.
Ressalta-se que a escolha da arbitragem como forma de solução do conflito não é obrigatória, a não ser que exista previamente uma cláusula compromissória e, diferentemente da mediação, o mediador encaminha as partes para chegarem ao acordo, ou seja, não impõe nenhuma solução (Decreto nº 1572/95), já na arbitragem o arbitro opta por uma das propostas das partes.
Também, se denota da leitura do mencionado § 2° que o eventual dissídio a ser ajuizado será o de natureza econômica, na redação anterior o artigo 114 da CF não fazia nenhuma distinção.
Segundo os ensinamentos de Sergio Pinto Martins :
“Os conflitos coletivos podem ser divididos em econômicos ou de interesse e jurídico. Os conflitos econômicos ou de interesse são aqueles em que os trabalhadores reivindicam novas e melhores condições de trabalho, especialmente novas condições salariais. Os conflitos jurídicos, ou de direito, são aqueles em que há divergência na aplicação ou na interpretação de determinada norma jurídica”.
Para Marcos Neves Fava ao analisar o referido § 2º, entende: “… os dissídios coletivos poderão ter conteúdo apenas econômico – retius, de interesse – e não mais de interpretação ou revisão”.
Já para José Alberto Couto Maciel , quando analisava a Reforma, naquele momento ainda não promulgada, afirmava:
“No texto ainda em vigor possibilita-se ajuizamento de dissídio coletivo, o que, tecnicamente me parece melhor, pois ao indicar os dissídios coletivos de natureza econômica deveria o novo texto incluir também os de natureza jurídica, uma vez que se trata de dissídio coletivo sobre relação de trabalho, não estando ele excluído, expressamente, da competência trabalhista”. Na divergência na aplicação ou existindo necessidade de interpretação da lei frente a um caso concreto, por exemplo, cláusula convencional cuja redação não esteja clara, envolvendo uma categoria, o dissídio de natureza jurídica pode ser utilizado, uma vez que tal dissídio se encontra preservado, contido na regra de competência ordinária do inciso I do artigo 114 da CF, pois se trata de atividade jurisdicional típica .
Não obstante a natureza jurídica do dissídio, a Justiça do Trabalho não mais poderá criar nenhum tipo de obrigação de natureza econômica ante a ausência do poder normativo e a inexistência de lei no que tange ao reajuste salarial, assim o poder de compra do salário fica em perigo ante as conjunturas econômicas, a não ser que corte trabalhista atue na função de árbitro.
O anterior caput do artigo 114 da CF deixava claro que a competência da Justiça do Trabalho abrangia o trabalho subordinado (art. 3°, CLT), salvo exceções, entretanto, o novo inciso I do atual artigo 114 alargou essa competência, vejamos:
“Art. 114 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar”:
“I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. (grifo nosso)
Antes, porém, de falar sobre a relação de trabalho, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE ajuizou perante o STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3395, a qual foi concedida liminar, suspendendo toda e qualquer interpretação que inclua a competência da Justiça do Trabalho para apreciar causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores. Não se pode dizer que há uma relação de trabalho entre os servidores estatutários, pois os mesmos não são contratados e, sim, investidos em cargos públicos criados por lei, regidos pelas normas de direito administrativo, unilateralmente imposta pelo Poder Público.
No que se refere ao aludido inciso I, há menção da expressão “ações oriundas da relação de trabalho” e não relação de emprego, portanto, a competência da Justiça do Trabalho passou a ser maior.
Assim, qualquer que seja a relação de trabalho (não de emprego) a Justiça do Trabalho será competente para apreciá-la. O trabalhador autônomo, o eventual, o representante comercial, o pequeno empreiteiro, o trabalho voluntário e qualquer outra forma de prestação de serviço não subordinado, deverão ser apreciados pela Justiça do Trabalho. Entretanto, de se ressaltar que há entendimentos no sentido de que o judiciário trabalhista também abarcou as relações de consumo, que estariam incluídas na relação de trabalho.
A divergência se da em razão de que de acordo com o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço (g.n.). Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (g.n.) (art. 3º do Código de Defesa do Consumidor). Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (parágrafo 2º do art. 3º do CDC).
Sergio Pinto Martins analisando o parágrafo acima faz a seguinte afirmação: “Há, assim, exceção expressa no sentido de não ser serviço, para os fins do Código de Defesa do Consumidor, as relações trabalhistas”. Explica ainda o ilustre juiz e professor, que “a relação do paciente com o médico em decorrência da operação mal feita, o da pessoa física que faz conserto incorreto de um aparelho eletrônico de outra pessoa. São hipóteses que envolvem relação de consumo e não exatamente trabalho”. Mais adiante acrescenta que o médico poderá postular na Justiça do Trabalho seus honorários pelos serviços prestados ao cliente, pois, nesses casos é uma relação de trabalho.
Há um aspecto importante levantado, em palestra, pelo Juiz Dr. Flávio Antonio Camargo de Laet que se refere a um aspecto de ordem prática, explica o ilustre juiz, que o artigo 5º, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre a criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de Litígios de Consumo, como as já existentes no Estado da Bahia e do Mato Grosso do Sul, ou seja, vão se esvaziar essas varas ou dividir a competência (produtos e serviços), situações que não se apresentam, sob este ponto de vista, a princípio, aceitável.
De se observar à posição adotada por Mario Vitor Suarez Lojo quando se refere aos serviços prestados pelos advogados:
“Mas, nos dias atuais, os serviços são prestados pelo advogado (trabalhador autônomo – pessoa física), na condição de pessoa jurídica (prestador de serviços). Será que a relação de trabalho transformou-se em uma relação de consumo? O tema já foi debatido em mais de uma ocasião no STJ, prevalecendo à tese, na sua composição atual, de que ‘não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n. 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados – como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de suas causas ou à utilização de agenciador (arts. 31/§ 1º e 34/III e IV, da Lei nº 8906/94) evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo’. Ressalta-se a existência de decisões admitindo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com ressalvas neles contidas”.
O autor do artigo se refere aos julgados do STJ – 4ª Turma – Resp n. 532.377/RJ, Rel. Min. César Asfor Rocha. Julg. 21.8.03, por unanimidade. DJ: 13.10.03, p. 373; Revista dos Tribunais. Vol. 820, p. 228 e ao da 3ª Turma – Resp n. 364.168/SE, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro. Julg. 20.4.04, por maioria, DJ: 21.6.040, p. 215; RDDP. Vol. 18, p. 157, respectivamente.
José Antônio R. de Oliveira Silva analisando o acima exposto comenta:
“Pensamos que, na linha de raciocínio aqui desenvolvida, se o advogado presta serviços de forma contínua, habitual a uma pessoa natural ou jurídica, prestando-lhe serviço toda semana, em audiências, defesas, pareceres etc., haverá uma relação de trabalho para com o tomador dos seus serviços. Caso contrário, se os serviços forem esporádicos, em regra numa única causa patrocinada pelo advogado, não haverá, por mais que se queira, uma relação de trabalho em sentido estrito com o cliente, podendo ser de consumo ou até mesmo de trabalho lato sensu, não se prestando a Justiça do Trabalho para a cobrança de honorários de serviços casuais (…) O critério da continuidade nos ajuda resolver falhas no critério do destinatário final do serviço, utilizado para identificar a relação consumerista, porquanto normalmente a relação de consumo de serviço é ocasional, esporádica, como se dá na relação médico/paciente, cabeleireiro/cliente, mecânico/cliente e tantas outras”.
É preciso distinguir a relação de trabalho em seu sentido exato da relação de consumo no que tange a prestação de serviço prevista no CDC, portanto, mostra-se necessário uma maturação para por fim as divergências e, não obstante a isto, o legislador poderia esclarecer o tema na forma prevista do próprio artigo 114, inciso IX, da CF, porém, ressalta-se: “quisesse o legislador estender a competência para lide estranha ao escopo do Direito do Trabalho, teria feito expressa menção a tal intuito, como procedeu na execução de débitos fiscais e na cobrança das contribuições previdenciárias” , podemos, assim, pensar que há um “silêncio eloqüente” .
Importante indagar, não obstante a competência da Justiça de processar e julgar as relações de trabalho, nesses casos a legislação material a aplicar é a civil (art. 593 do Código Civil) e código material referente às leis específicas. No que diz respeito às lides sem subordinação não se buscará direitos previstos na CLT e, sim, somente aquilo que foi contratado. Há a possibilidade de se pleitear o vínculo empregatício e utilizar o artigo 289 do CPC, formulando um pedido alternativo, ou seja, não se reconhecendo o vínculo, poderá o judiciário analisar o pedido das diferenças das comissões.
José Alberto Couto Maciel de forma cristalina aponta o seguinte caminho:
“Assim, serão julgados na Justiça trabalhista os processos envolvendo relações subordinadas, e nessas hipóteses aplicável será o processo do trabalho, e os concernentes a relação de trabalho sem subordinação, mediante prestações de serviço ou empreitada, aplicando-se a legislação do Código Civil e do Processo Civil…”.
No que diz respeito às lides sem subordinação, não se buscará direitos previstos na CLT e, sim, somente aquilo que foi contratado.
A dúvida que persistia era quanto qual processo adotar, o trabalhista ou o civil para aquelas relações de trabalho. De se ponderar que o Direito do Trabalho já vem se socorrendo do Código de Processo Civil, naquilo que não for incompatível com suas normas (art. 769, CLT), porém, não se pode deixar de esclarecer que esse artigo celetista sempre teve como alvo à relação de emprego. De primeiro momento apresentou-se ser mais simples e célere aplicar um só procedimento, o trabalhista e não este e outros procedimentos diferentes previstos no Código de Processo Civil, mas será possível compatibilizar os institutos?
Em artigo publicado por Hermindo Duarte Filho , há a seguinte interrogação:
“PRODEDIMENTO HíBRIDO? Tentando preservar a celeridade, convém questionar até onde seria possível utilizar-se do procedimento trabalhista para as causas decorrentes da relação de trabalho sem subordinação. A matéria merece debate, a fim de que os juizes de primeiro grau, principalmente, adotem procedimento único. Assim, por exemplo: réu será citado para apresentar sua resposta no prazo legal ou fará isso em audiência? E possível à aplicação da CLT, ainda que parcialmente”.
De se lembrar que o artigo 652, III da CLT já previa, antes da Emenda n° 45, a competência da Justiça do Trabalho para julgar questões que envolviam o chamado “pequeno empreiteiro” (relação de trabalho), portanto, parece lógico que a Justiça do Trabalho continue utilizando os mesmos procedimentos aplicados nessas ações eventualmente a ela submetida, ou seja, o trabalhista, inclusive, em obediência ao artigo 763 da CLT, que obriga a observância do processo trabalhista para os dissídios submetidos à Justiça do Trabalho.
Oportuno ressaltar que o Tribunal Superior do Trabalho, através da Instrução Normativa 27, resolução nº 126/2005 DJ de 22.02.2005, dispôs sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do Trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº 45/2004 que, basicamente determina a observância do rito ordinário ou sumaríssimo para as ações ajuizadas na Justiça do Trabalho, com exceção para as ações sujeitas a rito especial, tais como Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento. A instrução ainda trata dos recursos, do depósito recursal e custas processuais.
Um outro aspecto importante suscitado por Hermindo Duarte Filho diz respeito aos artigos 87 e 111 do CPC, sustenta o ilustre professor que todos os feitos que envolvam relação de trabalho sem subordinação devem ser remetidos à Justiça do Trabalho.
Dispõe o Artigo 87 do CPC:
“Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”. (grifo nosso)
Assim, caso esse entendimento prevaleça, a reforma que buscava celeridade ficará prejudicada, aliás, somente com as novas ações de relação de trabalho, a Justiça de Trabalho ficará ainda mais sobrecarregada de serviço e necessitará de mais instrumentos para tal encargo, sob a pena da reforma trazer um retrocesso.
Com o advento do inciso VI do novo artigo 114 da CF, restou claro que as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho são de competência da Justiça do Trabalho, entretanto, o STF, Recurso Extraordinário (RE) 438639, entendeu ser da competência da Justiça Comum o exame de ação de indenização por danos morais fundada em acidente do trabalho, por força do inciso I, do artigo 109 da CF. Neste mesmo sentido dispõem Súmula nº 501 do STF e a Súmula nº 15 do STJ, entretanto, a situação ainda não está pacificada, uma vez que o TST, através da Primeira Turma (RR 2295/2002), está decidindo pela competência da Justiça do Trabalho, mesmo para as ações que envolvam acidentes de trabalho, tal situação só cria insegurança jurídica.
Para terminar, de se ressaltar, que a Emenda n° 45 ao alterar o artigo 114 da CF ampliou também a competência da Justiça do Trabalho para as ações dos servidores públicos, para as ações que envolvam o exercício de greve, de representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores, mandado de segurança, habeas corpus e habeas data, conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ações de indenização por dano moral ou patrimonial, ações relativas às penalidades administrativas impostas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, ações referentes à execução, de ofício das contribuições sociais, e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, conforme, respectivamente, dispõe os incisos I, lI, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX do atual artigo 114 do CF, que merecem também uma análise oportunamente.
Estas foram algumas considerações e concluímos a necessidade de aprofundar o debate, aguardar uma resposta rápida do STF no que se refere às ações diretas de inconstitucionalidade e uma solução entre os tribunais no que se refere ao dano material e patrimonial decorrentes de acidente de trabalho, para que haja a necessária segurança jurídica. (Gazeta juris, v. 1, p. 15, 2005)