Vitor Manoel Castan
(LTr. Suplemento Trabalhista, v. 148, p. 699-670, 2010)
A concorrência entre empresas e a globalização da economia repercutem cada vez mais nas relações de trabalho. Buscam-se outras formas de contratação a fim de viabilizar a atividade empresarial e, assim, emerge a discussão quanto à questão da flexibilização das normas trabalhistas.
Nas relações de emprego existem duas figuras contratuais “atípicas”, que são objeto de controvérsia, ou seja, a teoria do emprego desdobrado e o contrato simultâneo de trabalho com o mesmo empregador.
Inicialmente, é consenso que, no âmbito das relações empregatícias, não há lei que proíba expressamente a modalidade de realização dessas duas formas de contratação, pois o art. 444 da CLT dispõe que as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas, desde que não contravenham as disposições de proteção ao trabalho.
A legislação trabalhista não proíbe que o trabalhador possa ter dois empregos. A única ressalva nesse sentido é feita ao empregado menor com relação à jornada de trabalho, pois este não poderá ultrapassar oito horas de trabalho nos dois empregos, de acordo com o art. 414 da CLT. Já quanto ao empregado maior, não existe essa restrição.
Ainda assim, o tema não está isento de polêmica sobre sua legalidade, pois o dissenso na doutrina e na jurisprudência está em saber se essas contratações ferem ou não princípios protetores dos empregados.
Com relação à chamada teoria do emprego desdobrado, têm-se um único contrato de trabalho, porém, com duas funções distintas. Na primeira função o trabalhador presta seus serviços em razão da sua profissão e na segunda função, executa outra atividade diferente da profissão, em proveito do mesmo empregador, com salário diferente para cada trabalho executado.
Para a configuração do emprego desdobrado é imprescindível que os serviços sejam diferentes e que realização destes se dê em jornadas de trabalho também distintas.
Observa-se que neste caso, o contrato de trabalho é apenas um, porém, existe um desdobramento do pacto principal para o acessório, o qual deve ser “anotado” na CTPS do empregado.
Nessa forma de contratação, a repercussão mais importante que se nota é que as horas trabalhadas em desdobramento, isto é, do contrato acessório, são independentes do contrato principal, ou seja, não seriam pagas horas extraordinárias porque o pacto acessório não é continuação da atividade principal. Por outro lado, o empregador não se encontra liberto das obrigações trabalhistas decorrentes da atividade acessória, como por exemplo, o reajuste do salário acessório previsto em Convenção Coletiva. Nessa função acessória, podo-se, inclusive, pleitear-se equiparação salarial.
No entanto, caso a atividade acessória tenha alguma relação com o contrato principal, essas horas de trabalho poderão ser consideradas como extraordinárias.
Por outro lado, no que diz respeito ao contrato simultâneo de trabalho, a situação apresenta-se um pouco diferente do contrato desdobrado.
Na contratação simultânea, diferentemente do contrato desdobrado, são celebrados dois contratos de trabalho com o mesmo empregador, com duas anotações em CTPS do empregado, em funções e horários distintos. Portanto, o que mais diferencia as duas formas de contratação é o aspecto formal, ou seja, o primeiro exige apenas um contrato de trabalho, enquanto no segundo são celebrados dois contratos, sendo que neste o empregado terá, por exemplo, direito a duas férias.
Oportuno lembrar a Súmula 129 do TST que não veda a celebração de dois contratos de trabalho com o mesmo empregador, se assim as partes ajustarem.
Nos estudos, observam-se posições favoráveis e contrárias aos dois tipos de contratação em análise.
Os entendimentos contrários baseiam-se no receio da facilitação de se fraudar a legislação trabalhista, principalmente, quanto à redução do salário e o aumento da jornada de trabalho além do que é previsto pelo artigo 7º XIII da CF. Também, aduzem-se questões sobre a pessoalidade e confiança. Como se resolveria uma infração ocorrida em um dos contratos, ou seja, qual seria a repercussão no outro contrato quando o empregado, por exemplo, cometer falta grave. E, ainda, existe outro fator complicador para a viabilidade conjunta do contrato simultâneo que seria a questão do gozo das férias, uma vez que em um contrato o empregado poderá estar usufruindo as férias, enquanto no outro ele poderá permanecer trabalhado, ou seja, existe uma mitigação no gozo das férias. Também, existem preocupações quanto à violação das normas de saúde e segurança do trabalho e o desemprego, pois o mesmo empregado vai tomar dois postos de trabalho.
Por outro lado, para as posições que se manifestam favoravelmente a essas contratações de trabalho, tomam por base, em síntese, que não há norma ou princípio em nosso ordenamento jurídico que vede esses tipos de contratações. Bastaria apenas que para validade de cada contrato sejam observados os requisitos previstos no artigo 444 da CLT, valorizando a liberdade, a intenção, a vontade das partes e a necessidade de avanço na legislação com a atual ordem social.
Não obstante os problemas que se deve enfrentar para esses tipos de contratos (desdobrado e simultâneo), observa-se que essas contratações muitas vezes se fazem necessárias, pois existem, por exemplo, profissões regulamentadas por lei que prevêem uma jornada reduzida de trabalho. Assim, o trabalhador pode necessitar de dois empregos para sobreviver ou até, na busca de uma vida melhor, e neste caso, por que não com o mesmo empregador?
Em se tratando de uma flexibilização o receio de contratações fraudulentas subsiste. O risco de violação aos direitos dos trabalhadores existe na contratação simultânea e no emprego desdobrado, mas, isso também, pode ocorrer na contratação individual, o que não a inviabiliza. A boa-fé é a premissa para qualquer relação jurídica, portanto, não se pode de imediato negar a possibilidade dessas contratações.
Com relação ao contrato simultâneo, o ilustre ministro do TST, Ives Gandra Martins, em um de seus julgados, entendeu legal a contratação e, no que tange à jornada de trabalho, decidiu que um empregado não estaria adstrito a limitação às 44 horas semanais, não havendo que se falar em pagamento de horas extraordinárias, conforme julgado do TST RR-6614093/99.2, 4ª Turma, 23.04.2003.
Já com relação ao emprego desdobrado, o acórdão número 00164-2008-008-04-01-0, TRT da 4º Região, invalidou normas convencionais que permitiam a contratação na forma de contrato desdobrado, decidindo que não há permissivo constitucional de flexibilização do direito à jornada regular e à contraprestação pelo trabalho em regime extraordinário, assegurado no art. 7º inciso XIII e XVI da Constituição Federal.
Desta forma, o tema não está isento de discussões, apresenta-se vantajosa a contratação pelo empregador, pois, pode utilizar o mesmo empregado nas duas funções. Já para o trabalhador, sob a ótica dos princípios e fundamentos do Direito do Trabalho, existem obstáculos que podem ou não ser ultrapassados.
Neste estudo sintético defende-se que é, no mínimo, viável a contratação em uma das formas contratuais analisadas, por exemplo, de um técnico em radiologia, que possui jornada legal de trabalho de quatro horas diárias, desde que exerça função diferente da profissão e seja respeitada a duração do trabalho não superior a oito horas diárias.