Dispensa obstativa estabilidade provisória – Doença Profissional

O ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal não cria maiores dificuldades para o empregador extinguir o contrato de trabalho, pois prevê a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa nos termos de uma lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos, que ainda não foi promulgada.

Sem maiores especificidades no direito comparado, por exemplo, francês, espanhol e português, observa-se à existência de critérios de proteção, a priori, quando da dispensa, como a possibilidade de defesa do empregado acompanhado por um representante e, a posteriori, inexistindo motivação para a despedida, o empregado deve ser reintegrado, ficando, inclusive, impedido o empregador de optar pela indenização (obrigação de dar) no lugar da reintegração (obrigação de fazer) . De um modo geral, proíbem as dispensas sem justa causa ou sem motivações realmente justificadas relacionadas com atitudes negativas do empregado ou por problemas econômicos.

De acordo com o artigo 1º, inciso I, do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, enquanto não for promulgada a lei complementar a que se refere o artigo 7º, I, a referida indenização, no caso de despedida sem justa causa, corresponderá a 40% dos depósitos efetuados na conta vinculada do empregado no FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, atualmente prevista no parágrafo 1º, do artigo 18 da Lei nº 8.036/90. Além disso, a Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, instituiu a contribuição social de 10% sobre os referidos depósitos. Dessa forma, e como bem afirmado sucintamente por Jether Gomes Aliseda , “nosso ordenamento jurídico não consagra a estabilidade genérica e perpétua”.

No que diz respeito à dispensa propriamente dita, Amauri Mascaro Nascimento define-a da seguinte forma: “Dispensa é a ruptura do contrato de trabalho por ato unilateral e imediato do empregador, independente da vontade do empregado”.

A possibilidade de dispensas imotivadas de empregados configura uma das razões do desemprego com que convivemos e que inúmeros problemas sociais e econômicos têm causado .

Assim, observa-se que na despedida do empregado não se exige maior formalidade ou onerosidade do empregador, causando grandes transtornos aos empregados que muitas vezes sequer conseguem retornar ao mercado de trabalho, porém, mais gravoso ainda, quando ocorre a dispensa obstativa. Vejamos:

Entre os tipos de dispensa, Amauri Mascaro Nascimento cita: “Dispensa obstativa, destinada a impedir ou fraudar a aquisição de um direito que se realizaria, caso o empregado permanecesse no serviço, como as dispensas que antecedem um reajustamento salarial”.

“Há dispensas para obstar a elevação dos salários, problema conhecido com o nome de ‘rotatividade da mão-de-obra’” .

Já Sergio Pinto Martins faz a seguinte observação: “Dispensa obstativa é a que pretende fraudar os direitos dos trabalhadores. Exemplo é a que pretende evitar que o trabalhador obtenha estabilidade, como a previsão do Enunciado 26 do TST (cancelado). Os empregadores passaram, porém, a dispensar os empregados antes de nove anos de casa”.

Alice Monteiro de Barros pondera: “estabilidade decenária suscetível de fraude, pois o empregador poderia dispensar o trabalhador às vésperas de completar 10 anos de serviço, o que, de fato, ocorria com freqüência, levando a jurisprudência a criar a figura da despedida obstativa da estabilidade, a qual passou a autorizar não a reintegração, mas o pagamento da indenização em dobro”.

Mauricio Godinho Delgado , por sua vez: “existe a chamada despedida obstativa, que corresponde àquela realizada pelo empregador com o fito de impedir ou fraudar a aquisição de um direito pelo empregado. No velho sistema estabilitário da CLT, a jurisprudência referia-se à dispensa obstativa de aquisição da estabilidade, ocorria durante o nono ano de serviço”.

Arnaldo Süssekind afirma: “já não mais subsiste a correção semestral nem, portanto, a Lei nº 6.708/79, todavia, a Justiça do Trabalho entende persistir a obrigação de pagar a indenização adicional apenas quando a ruptura contratual dá-se dentro do trintídio que antecede a data base, época em que o empregador poderia, de antemão, frustrar a concessão do reajuste salarial”.

O Código do Trabalho Português prevê a figura obstativa e considera ilícito o despedimento sem justa causa, a saber:

Artigo 122. Garantias do trabalhador.

É proibido ao empregador:

b) Obstar, injustificadamente, à prestação efetiva do trabalho;

Artigo 306. Ocupação e despedimento durante a incapacidade temporária.

4 – O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapacitado em resultado de acidente de trabalho confere àquele, sem prejuízo de outros direitos consagrados neste Código, caso não opte pela reintegração, o direito a uma indenização igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento ilícito.

Portanto, caracteriza a dispensa obstativa quando o empregador visa impedir, fraudar, obstar ou frustrar um direito do trabalhador. Verifica-se que os doutrinadores retrocitados, sem exceção, definem a dispensa obstativa utilizando exemplos. Visitando diferentes sites dos Tribunais Regionais do Trabalho, no repertório de jurisprudência, verificam-se julgados referentes à dispensa obstativa relacionados à tentativa do empregador de evitar a estabilidade prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, não só relacionada ao acidente de trabalho propriamente dito, mas, também, a doença profissional, esta, equiparada ao acidente.

Como já se viu, o próprio sistema adotado pelo inciso I do art. 7º da CF exclui a estabilidade, e a proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa faz-se mediante o pagamento de uma indenização.

O critério da dispensa desmotivada por ato empresarial confere, infelizmente, a essa modalidade de ruptura do contrato empregatício o estatuto jurídico de simples exercício de um poder potestativo pelo empregador – poder próximo ao absoluto, portanto – desconsiderando todos os aspectos pessoais e sociais envolventes à dinâmica da extinção do contrato de trabalho .

No Brasil a facilidade para a dispensa de empregados permitiu a formação de uma série de vícios, entre elas as dispensas retaliativas, quando o empregado ingressa com reclamação trabalhista para cobrar um direito e, as obstativas.

Assim sendo, o sistema brasileiro apresenta pouca proteção para a manutenção no emprego e o empregador possui o direito de dispensar, entretanto, quando ele abusa desse direito, ou seja, o exercício imoderado, irregular ou anormal desse direito de dispensar, de modo a prejudicar alguém, excedendo os limites impostos pelo direito positivo, não só o texto legal, mas também as normas éticas que coexistem em todo sistema jurídico, a penalidade é retornar ao estado anterior, ou seja, a reintegração.

O empregador ao dispensar o empregado deve fazê-lo dentro de certos limites, não pode agir maliciosamente e, quando exerce esse direito irregularmente, comete o abuso de direito.

No âmbito do Direito do Trabalho, somente a lei de greve nº 7.783/89 em seu artigo 14 dispõe sobre o assunto, quando considera abuso de direito a não observância da regras contidas na lei como, por exemplo, não manter equipes de trabalho a fim de evitar prejuízos irreparáveis nas máquinas e equipamentos, a utilização de piquetes e a manutenção da greve após a decisão ou acordo ou convenção coletiva.

O Código Civil, nos artigos 186 e 187 dispõem:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Importante ressaltar que o abuso é uma espécie de ato ilícito diferente daquele violador frontal de uma regra direta e objetiva, mais um ato ilícito (antijurídico), uma conduta contrária aos princípios, normas éticas e a boa-fé, que ultrapassa os limites impostos na lei, pelo seu fim econômico ou social, decorrente de ato comissivo ou omissivo .

Valioso, também, para o presente estudo o artigo 129 do Código Civil que prevê:

Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.

Assim, à parte através de uma ação ou omissão maliciosa, escusa, escondida ou oculta deixar de cumprir uma condição, será penalizada com o resultado contrário ao pretendido. A condição será tida como realizada. A demonstração da má-fé leva ao resultado contrário do pretendido pela parte. O implemento da condição deve ser considerado como atingido. No agir normal, não há sanção.

A utilização da dispensa obstativa com intuito de evitar a estabilidade prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91 do trabalhador acidentado ou portador de doença profissional tem sido rechaçada pelos tribunais.

De acordo com o artigo 20, I, da Lei nº 8.213/91, equipara-se ao acidente do trabalho a doença profissional ou do trabalho, esta última também chamada mesopatia ou doença profissional atípica , entendida como produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho. Seu aparecimento decorre da forma em que o trabalho é prestado.

O Art. 23 da Lei nº 8.213/91 esclarece e define o seguinte: “Considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do inicio da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro”.

O anexo II do Decreto nº 3.048 da Previdência Social e a Portaria 1339/GM do Ministério da Saúde, ambos de 1999, dispõem sobre cerca de 200 doenças relacionadas ao trabalho e no grupo XIII, CID 10 estão às doenças do sistema osteomuscular, entre elas, a sinovite e tenossinovite, conhecidas como LER (lesão por esforço repetitivo) ou DORT (distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho).

Importante ressaltar que a relação das doenças ocupacionais (profissional ou do trabalho, espécies do gênero ocupacional) anexa ao Decreto nº 3.048/99 não tem caráter exaustivo, mas apenas exemplificativo, aliás, há previsão legal expressa nesse sentido no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei nº 8.213/91 .

Nos casos de doença profissional, segundo a doutrina e a jurisprudência, o não afastamento do empregado, o não recebimento do auxílio doença acidentário e a ausência da emissão da CAT, requisitos previstos na Lei nº 8.213/91, não são condições essenciais para o reconhecimento da estabilidade, tendo em vista que na dispensa obstativa foi o empregador quem impediu o afastamento, o encaminhamento e, consequentemente, o reconhecimento e o recebimento do auxílio doença acidentário pelo órgão previdenciário, assim, considera-se realizado o implemento das condições previstas para a aquisição da estabilidade provisória em questão, uma vez que, o empregador não pode se beneficiar de sua própria torpeza.

O empregador deve emitir a CAT e nem mesmo a possibilidade legal do próprio empregado emitir o documento (art. 22, § 2º Lei nº 8.213/91), não é suficiente para excluir a culpa da empresa pela não emissão e nem lhe retira o direito à estabilidade, conforme leciona o juiz César Pereira Machado Júnior .

Ademais, com a Súmula 378 TST, não há que se falar em afastamento superior a 15 dias e recebimento do auxílio-doença acidentário quando constatada, após a despedida, a doença profissional.

Lesões por esforço repetitivo respondem por 70% das doenças relacionadas ao trabalho, razão de ter sido essa doença acima exemplificada. Começa com uma pequena dormência na mão, que vai se tornando constante. Progride para dor e inchaço. Depois a força vai embora. A incapacidade começa, então, a rondar a vida do trabalhador e o afastamento do emprego é inevitável. Quadros como esses se alastraram como uma epidemia no mercado de trabalho brasileiro: são as doenças osteomusculares .

Assim sendo, é necessário combater as despedidas obstativas, sobretudo a relacionada ao acidente ou a doença profissional, tendo em vista a enorme repercussão negativa na vida do trabalhador.

 

Vitor Manoel Castan
Revista Bonijuris, v. 516, p. 10-12, 2006