Aplicação do Percentual previsto em Lei para Contratação de Aprendiz Segurança Jurídica – Princípio da isonomia

O Ministério Público do Trabalho, através de suas Procuradorias Regionais vem instaurando procedimentos preparatórios (inquérito civil) através de expediente promocional no sentido de estimular e promover políticas públicas voltadas à proteção dos direitos das crianças e adolescentes, especialmente a capacitação técnica dos aprendizes.

Registre-se que é louvável a promoção do Parquet que atuando como Dom Quixote de La Mancha, sem perder o juízo, tenta consertar as coisas tortas, as injustiças sociais, estas agravadas pela impunidade e corrupção que arruínam esse país.

No presente estudo sustenta-se que os estabelecimentos com 6 (seis) ou menos empregados não são obrigados a contratar aprendizes. Entretanto, o MPT, através de alguns posicionamentos, vem adotando entendimento no sentido de que independentemente do número mínimo de empregados esses estabelecimentos também são obrigados a contratar os aprendizes. Esclareça-se que estudo não se refere a entidades sem fins lucrativos.

Importante ponderar que a responsabilidade social revela-se um fator decisivo para o desenvolvimento e crescimento da empresa e da sociedade e a gestão daquela não se pode nortear apenas para o cumprimento de seus próprios interesses, mas, também, dos trabalhadores e da comunidade local. Porém, não se pode atribuir ou transferir para as empresas toda responsabilidade pela socialização do indivíduo e seu desenvolvimento, nem o magistrado, somente por este fundamento social, pode decidir pela obrigatoriedade da contratação do aprendiz, ignorando as demais regras e princípios do ordenamento jurídico. O Estado deve formular políticas públicas para o bem-estar e assumir também sua responsabilidade.

O artigo 429 da CLT dispõe que: “Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5% (cinco por cento), no mínimo, e 15% (quinze por cento), no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional”. O respectivo § 1º determina: “As frações de unidade, no cálculo da porcentagem de que trata o caput, darão lugar à admissão de um aprendiz”.

Já a Instrução Normativa, nº 75, de 8 de maio de 2009, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, em seu artigo 2º, § 2º preceitua o seguinte:

Art. 2º. “Os estabelecimentos de qualquer natureza, que tenham pelo menos 7 (sete) empregados, são obrigados a contratar aprendizes, de acordo com o percentual legalmente exigido”. (g.n.)

  • 2º. “O cálculo do número de aprendizes a serem contratados terá por base o total de trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de 18 (dezoito) anos…” (g.n).

O Decreto nº 5.598 de 1º dezembro 2005 também trata sobre o aprendiz, porém, sobre a forma de cálculo nada esclareceu e isso não significa que a ausência desse esclarecimento obriga todos os estabelecimentos a contratarem os aprendizes independentemente do número de empregados. Significa apenas que esse aspecto não foi regulamentado pelo referido decreto, omissão essa que restou regulamentada pela referida Instrução Normativa, nº 75/2009, da Secretaria de Inspeção do Trabalho que, inclusive, é posterior à edição do decreto.

Ressalta-se que tanto o artigo 429 da CLT, o Decreto n° 5598/05 (artigos 9º e 10º) e a IN n° 75/2009, SIT (art. 2º, § 2°), deixam claro que a base de cálculo para contratação do aprendiz toma somente as funções que demandem formação profissional, assim aquelas consideradas pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, ficando excluídas as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança.

A aludida instrução Normativa, nº 75 regulamentou o artigo 429 da CLT e, assim, as empresas com menos de 7 (sete) empregados não são obrigadas a contratar aprendizes.

Com efeito, a Secretaria de Inspeção do Trabalho normatizou e encontrou esse número 7 (sete) utilizando o maior percentual previsto no artigo 429 da CLT, ou seja, 15% o qual foi multiplicado pelo número 7 (sete) apurando o resultado 1,05. Nessa hipótese haverá a obrigatoriedade de se contratar 2 (dois) aprendizes, já que as frações de unidade de cálculo da porcentagem darão lugar à admissão de um aprendiz (§ 1º, art. 429, CLT).

Observe que legislador no § 1º do artigo 429 da CLT usou a expressão “As frações de unidade”, se quisesse que todas as empresas, independentemente do número de empregados, tivessem a obrigatoriedade contratar aprendizes, teria retirado a palavra unidade deixando o parágrafo com a seguinte redação: As frações, no cálculo da porcentagem de que trata o caput, darão lugar à admissão de um aprendiz”. No entanto, o legislador assim não agiu.

Portanto, para que haja a fração de unidade deve-se existir uma “unidade inteira”, e os estabelecimentos que possuem somente 6 (seis) empregados que demandam formação profissional, não atingem a cota/unidade necessária que lhe obriguem a contratar o aprendiz, pois se multiplicar 5% (percentual mínimo) x 6 (seis) empregados encontra-se 0,3, ou se multiplicar 15% (percentual máximo) x 6 (seis) empregados encontra-se 0,9, ou seja, em ambas as hipóteses o estabelecimento não atinge sequer uma unidade, estando, portanto, liberado da contratação.

Sabe-se que a interpretação gramatical não é a melhor, razão da existência da Instrução Normativa nº 75, da Secretaria de Inspeção do Trabalho do M.T.E., que veio regulamentar a questão, deixando clara a necessidade dos estabelecimentos possuírem pelo menos 7 (sete) empregados que demandem formação técnica para a obrigatoriedade de contratação do aprendiz.

O legislador estava atento, pois não teve a intenção de sobrecarregar as empresas de pequeno porte com a contratação de aprendizes, pois estas, com funções e número tão reduzido de empregados, fatalmente não irão proporcionar nenhuma formação técnico-profissional ao aprendiz, não atingindo o objetivo da lei.

Em que pese o respeito e o prestígio aos ideais sociais do Estado Democrático de Direito, é certo que deve prevalecer à interpretação conferida ao artigo 429 da CLT pelo M.T.E. através da Instrução Normativa nº 75 de 2009 da Secretaria de Inspeção do Trabalho. É que também decorre do Estado Democrático de Direito uma necessária harmonização da interpretação das regras trabalhistas sob pena de instaurar-se o caos e a insegurança jurídica, além de grave ofensa ao princípio da isonomia.

A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego – SRTE através de seus fiscais não autuam os estabelecimentos que possuem menos que 7 (sete) empregados, pois observam a regulamentação da referida Instrução Normativa n° 75. Assim, caso um estabelecimento seja obrigado a contratar um aprendiz em razão do pleito do MPT, não estará sendo tratado igual aos outros estabelecimentos nas mesmas condições, já que a SRTE possui entendimento diverso.

O princípio da isonomia está consagrado no artigo 5º da CF, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Também, observa-se esse princípio em outros dispositivos constitucionais, uma vez que a Constituição Federal trata de efetivar o direito à igualdade.

Citam-se os mais relevantes: igualdade jurisdicional (art. 5º, XXXVII); igualdade trabalhista (art. 7º, XXXII); nas relações de trabalho (art. 7º, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV).

A isonomia deve ser efetiva com a igualdade da lei (a lei não poderá fazer nenhuma discriminação) e o da igualdade perante a lei (não deve haver discriminação na aplicação da Lei).

Com relação à segurança jurídica, o preâmbulo da Constituição Federal de 1988, ao instituir o Estado Democrático de Direito, garante aos cidadãos, dentre outros direitos, o da segurança reafirmado no caput do artigo 5° e no artigo 6°.

A segurança jurídica é um direito fundamental do cidadão. Implica normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático-jurídica. Significa a adoção pelo estado de comportamentos coerentes, estáveis, não contraditórios. É também, portanto, respeito às realidades consolidadas, cuja previsão constitucional está no artigo 5º, XXXVI, CF – “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. (Prof. Fabrício Andrade)

Com efeito, a insegurança jurídica relativa à ilegalidade potencial decorre da inflação normativa, em virtude da qual uma empresa ou um cidadão estão impossibilitados de cumprir todas as normas estatais destinadas a regulamentar sua vida. A proliferação normativa torna todos inseguros. Para combater a ilegalidade potencial deveríamos seguir Bauhaus: menos é mais. Menos leis é mais legalidade e mais segurança. (Newton Freitas)

Também, não se pode atribuir às empresas nenhum dano moral coletivo por posicionamento em consonância com a IN nº 75 da SIT. Essas não podem ser tachadas de recalcitrante, pois firmam posição e se acham seguro naquilo que imaginam estar definido, porém, se vêm surpreendidas pelo MPT e o impasse acaba na Justiça do Trabalho.

As normas que geram interpretações divergentes expõem ainda mais o desequilibro de forças entre o Estado e o cidadão. Somente com a segurança jurídica, é possível combater os excessos do poder público e garantir a liberdade, igualdade, segurança e a plenitude da cidadania. (Luiz Flávio Borges D’urso)

A segurança jurídica é, pois, para o ordenamento constitucional, um alicerce sobre o qual se assentam todos os demais princípios fundamentais. Apresenta-se como “fruto final do Estado de Direito”, já que é dela que surge o clima geral que permite o desenvolvimento e a civilização e, por isso mesmo, as pessoas razoavelmente cultas têm sempre a convicção de que “nenhum valor isolado, por mais valioso que ele seja, vale o sacrifício da segurança jurídica”. (Humberto Theodoro Jr.)

Na hipótese de um estabelecimento defender um posicionamento embasado na própria lei e em uma Instrução vigente do próprio Ministério do Trabalho e Emprego que disciplina a fiscalização das condições de trabalho no âmbito dos programas de aprendizagem não revela nenhuma atitude antijurídica ou que o estabelecimento tenha transgredido qualquer ordem social, pelo contrário, apenas demonstra que este faz uso do princípio da legalidade (artigo 5º, inciso II, da CF). A posição adotada não ostenta gravidade suficiente a valores caros a um grupo, pois, no mínimo a controvérsia é de cunho eminentemente interpretativo das disposições legais, não autorizando reconhecer que haja deliberada infringência às normas.

Como se observa, não obstante ser nobre a promoção do MPT é necessário também analisar a situação por vários aspectos, sob pena de igualmente cometer injustiça.